quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Èsù e a divisão dos búzios entre Oya, Òsun e Yemoja


Certo dia, Oya, Òsun e Yemoja resolveram ir juntas ao Oj๠de Òyófazer compras. Lá chegando, tomaram conhecimento das novidades trazidas pelos mercadores, como tecidos, contas e especiarias diversas.



Nesse instante, Èsù chega no mercado trazendo uma cabra. Ele pára e observa de longe as três mulheres conversando animadamente, e resolve fazer uma prova entre elas, o que constitui uma de suas características. Aproxima-se de Oya, Òsun e Yemoja, dizendo: "Eu vou deixar a cidade para um importante negócio com meu amigo Òrunmìlà. Assim, eu lhes peço que vendam minha cabra, e em troca eu darei a vocês metade do que for apurado. Como o preço são vinte búzios², eu darei dez para vocês e dez ficarão para mim." Elas aceitaram e Èsù partiu. Logo a cabra foi vendida por vinte búzios. Elas separaram dez búzios para Èsù e começaram a dividir os dez restantes entre elas.




Yemoja iniciou a divisão. Ficaram três búzios para cada uma delas, mas sobrou um. Oya, então, tomou a iniciativa. Fez três pilhas e em cada uma colocou três búzios, porém da mesma forma sobrou um. Depois disto foi a vez de Òsun, mas continuava sobrando um. E as três começaram a discutir acerca de quem poderia pegar a porção maior.


Yemoja dizia: "É justo que a mais velha deva pegar a porção maior. Portanto, eu ficarei com o búzio extra."


Òsun replicou: "Não, onde eu nasci, nas terras de Òsogbo, diz-se que o mais novo é sempre tratado com mais generosidade. Assim, o búzio extra deverá ser meu."


Até que Oya tomou a palavra: "O assunto está em disputa. Tem-se dito que, nesses casos de disputas entre os mais velhos com os mais novos, a maior porção deverá ir para aquele que está entre os dois lados. Em Irá, de onde eu vim, é assim que se faz. Portanto, o búzio que está sobrando deve ser meu."




E a discussão se acentuou. Como não conseguiram chegar a uma conclusão, pediram a um homem do mercado fazer a divisão. Ele disse: "Como pode o dez ser dividido em três partes iguais? Sempre sobra um. Quem merece ficar com ele? De acordo com o que eu tenho ouvido, é a pessoa mais velha quem merece ficar com ele, porque é a mais antiga no mundo e, consequentemente, a que tem sofrido mais do que as outras. A minha conclusão é de que o búzio deve ser dado à pessoa mais velha dentre vocês." Oya e Òsun rejeitaram seus conselhos e recusaram dar a Yemoja a parte maior.




Outra pessoa foi convidada a fazer a divisão dos búzios. Começou a contá-los e disse: "Não existe maneira de fazer esta divisão. Sempre sobrará um búzio. Quem deve ficar com ele? Penso que, numa situação desta natureza, a pessoa mais nova é que deve ser a favorecida, porque os jovens estão no mundo há pouco tempo e têm recebido menos benefícios que os outros. Os mais novos são empurrados de lado nos grandes movimentos, os caçadores jovens andam sempre atrás, e as esposas mais jovens têm a vida mais árdua. Por isso, quando surge uma divisão desigual, a pessoa mais jovem merece a vantagem." Yemoja e Oya não concordaram. Disseram: "Nós nunca ouvimos tal afirmativa. Não podemos aceitar isso.




Um outro homem foi chamado entre aqueles que estavam no mercado. Contou os búzios, separou três a três, deixando o último búzio à parte, e falou: "Diz-se que a pessoa mais velha deve pegar a porção extra, enquanto outros dizem que é a mais jovem que deve receber a porção maior. Assim, creio que nem para a mais velha, nem para a mais nova, mas sim para aquela que estiver entre as duas. Oya é mais velha que Òsun e mais nova que Yemoja. Deste modo ela apresenta as condições ideais. Dêem a ela o búzio extra." Mas Yemoja e Òsun não aceitaram seus conselhos e recusaram dar o búzio para Oya, continuando a divisão sem solução, até que a discussão entre todos se tornou mais acirrada.


Neste instante chegou Èsù. Aproximou-se das três e perguntou onde estava a parte dele da venda da cabra. Elas lhe entregaram os dez búzios e, ao mesmo tempo, pediram o seu conselho para a divisão entre elas, em partes iguais.



Èsù ficou alguns instantes pensativo e, depois, tomou em suas mãos os dez búzios, separou três e deu a Yemoja, mais três e entregou a Oya, e os outros três deu para Òsun. Ficando com o décimo búzio em sua mão, Èsù se ajoelhou e fez um pequeno buraco no chão, colocando nele o búzio. Depois o cobriu com a terra e disse: "Este búzio é para os Ancestrais, os Onílè³. Noòrun era assim que fazíamos. Sempre que alguém recebia algo bom, devia se lembrar daqueles que o haviam antecedido. Quando as colheitas são trazidas dos campos, a primeira divisão deve ser dada sempre para os Ancestrais. Quando se realiza uma festa, uma porção deve ser separada para os Ancestrais. Assim também com o dinheiro. Quando ele vem até nós, devemos dar parte aos Ancestrais. Esta é a maneira que fazíamos no òrun e que deveria ser feita também aqui na terra. Vocês deveriam ter-se lembrado disto em vez de disputar o búzio que sobrava da divisão."


Yemoja, Oya e Òsun ouviram atentamente o que Èsù acabara de dizer e admitiram que ele estava certo, concordando, cada uma, em aceitar os três búzios. Por causa do que aconteceu no mercado de Òyó, o povo, daquele dia em diante, passou a dar uma parte para os Ancestrais todas as vezes que faziam as colheitas novas ou recebia fortunas inesperadas.


1- Ojà: Mercado. É o ponto de encontro entre as comunidades e bastante citado nos textos de Ifá. Èsù é visto como Olójà, o Dono do Mercado.
2- Búzios eram utilizados como moedas.
3- Onílè: Os Senhores da Terra, conforme a crença de que o solo é a morada das divindades.


(Extraído do livro"Mitos Yorubás: O Outro Lado do Conhecimento", de José Beniste, com adaptações.)

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