quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Sàngó, Oya e o poder do fogo


Sàngó havia conquistado o poder da cidade de Òyó e se tornado o seu terceiro soberano, governando com muita severidade e domínio total sobre seu povo, que não tentava irritá-lo ou ofendê-lo, pois ele era o possuidor do edùn àrá, a pedra do raio.
Seu símbolo de poder é o osé, um machado de lâmina dupla como representação de que “sua força é uma arma de dois gumes”, que equivale dizer que o mais distante habitante deÒyó não estava longe da autoridade de Sàngó ou imune aos seus castigos pelos delitos cometidos.


Embora consciente de seu poder, Sàngó buscava incessantemente novos meios de se fazer respeitado e temido por todos. Enviava seus mensageiros até os locais mais distantes de seu reino em busca de poções mágicas e amuletos, com o objetivo de aumentar o seu poder. Um a um iam chegando os elementos pedidos sem que satisfizessem os desejos de Sàngó. Decidiu ele, então, pedir a Èsù.



Enviou um de seus homens de confiança para as terras de Ìbàrìbá, onde Èsù se instalara, próximo à região dos Tápà. Lá chegando, o mensageiro declarou: “Oba Jàkúta, o grande Aláààfin de Òyó, enviou-me aqui para que lhe seja preparado um poder eficaz que cause terror no coração de seus inimigos.” Èsù perguntou: “Sim, isto é possível. Mas que tipo de poder Sàngó deseja?” O mensageiro respondeu: “Oba Jàkúta disse que muitos tentaram lhe dar o poder que ainda não tem, mas eles não sabem como fazê-lo. Tais conhecimentos pertencem somente a Èsù. Dê o que precisa que ele saberá o que fazer.”


Disse Èsù: “Sim, do que Sàngó precisa eu sei bem e eu lhe darei. Em troca quero receber uma cabra como sacrifício. O poder estará pronto daqui a sete dias; porém, você, mensageiro, não deverá ser o portador. Quem deverá vir aqui apanhar será a esposa dele, Oya.”


O mensageiro retornou para Òyó e contou a Sàngó o recado de Èsù, que concordou com o que lhe foi dito, e, já no sétimo dia, Sàngó instruiu Oya para ir onde estava Èsù: “Cumprimenta Èsù por mim. Diga-lhe que o sacrifício será enviado. Receba o poder que ele preparou e traga-o para cá rapidamente.” Em seguida, Oya partiu.


Chegando às terras de Èsù, Oya cumprimentou: “Sàngó, deÒyó, enviou-me para apanhar o que foi preparado para ele. O sacrifício que você pediu por isso já está a caminho.” Em seguida, Èsù entregou a Oya um pequeno pacote embrulhado em uma folha silvestre, ewé ògbó, e lhe disse: “Tome cuidado com isto. Veja que Sàngó beba tudo.”


Pegando o pacote, Oya iniciou a jornada de volta. Mas a curiosidade começou a atiçá-la: “O que Èsù fez para Sàngó? Que espécie de poder pode estar neste pacote tão pequeno?” No longo do trajeto de volta, Oya foi pensando no assunto, quando resolveu parar para descansar. Como Èsù havia presumido que ela faria, Oya desembrulhou o pacote para olhar o que havia dentro. E o que viu possuía uma coloração vermelha. Colocou um pouco do poder na boca para testá-lo. Nem era bom, nem era ruim. Ficou pensativa por um instante e depois embrulhou de novo o pacote, seguindo viagem.
Ao chegar a Òyó, foi direto para o palácio de Sàngó. Assim que o viu entregou-lhe o pacote. Sàngó o recebeu e perguntou: “Que instruções Èsù deu a você? Como é que eu tenho que usar este poder?”


Oya disse: “Ele instruiu para ingerir o poder.” Nem bem começou a falar, faíscas saíram de sua boca. Sàngó entendeu que Oya havia testado o poder que lhe havia sido destinado. Sua ira foi violenta. Levantou a mão para bater-lhe, mas ela escapou do palácio. Sàngó a perseguiu, mas não a encontrou. Oya foi para um lugar onde muitas ovelhas estavam pastando. Correu entre elas, pensando que Sàngó não a encontraria. Mas a ira de Sàngó era terrível. Ele lançou seu grito, estrondos em todas as direções, a ponto de atingir as ovelhas, matando-as todas. Oya escondeu-se, então, embaixo das ovelhas mortas, conseguindo, assim, iludirSàngó, que, cansado, retornou ao palácio onde uma multidão o aguardava. Todos suplicavam pela vida de Oya. “Sua compaixão é maior do que a sua ofensa. Perdoai-a.” A ira deSàngó se atenuou. Ele enviou seus escravos para encontrarOya e trazê-la de volta.



Sàngó não sabia, exatamente, como Èsù havia lhe destinado o poder. Assim, quando a noite chegou, Sàngó pegou o pacote com o poder e foi para um lugar alto contemplar a cidade. Lá, colocou um pouco do poder sobre a língua, e, quando expirou o ar, uma enorme chama saiu de sua boca, estendendo-se por toda a cidade. Sàngó passou a ter o poder sobre o fogo, que brotava de sua boca e de suas narinas, e, com isso, passou a intimidar seus adversários.



CONCLUSÃO:


Em tempos de guerra ou quando certos assuntos desagradavam Sàngó, ele lançava seus raios e pedras do espaço, os meteoritos, sempre acompanhados por um clarão brilhante que acompanhava o céu e a terra. O povo dizia: “É o fogo disparado da boca de Sàngó.”


As ovelhas que morreram enquanto protegiam Oya da fúria de Sàngó nunca foram esquecidas. Em sua honra, os filhos de Oya passaram a recusar comer carne de carneiro como lembrança daquele dia.


NOTAS:


Iná: É o fogo. Elemento que caracteriza o poder deSàngó; é lembrado na cor vermelha de suas contas. Pronuncia-se “inan”
Edùn àrá: Equivalente aos meteoritos incandescentes.Èdùn: machado; àrá: trovão, raio.
Ìbàrìbá: Região constantemente citada nos relatos, habitada por grandes conhecedores da magia natural e da existência de forças que causam e controlam os fenômenos da natureza. Na crença yorubá, a religião e a magia são tão interligadas que se torna difícil dizer quando uma invade o domínio da outra.
Ewé: Significa folha ou erva, e vem do verbo wé: embrulhar. Era hábito fazer oferecimentos utilizando-se folhas para embrulhar.




Ìbínu Sàngó: A fúria de Sàngó. Seu temperamento é lembrado em muitos cânticos, como o que segue:




Olómo kìlò fómo re
(Advirta o seu filho)
E má pèé Sàngó gbómo lo
(Para que Sàngó não seja acusado de rapto)
Bí ó soro,
(Quando ele fica feroz)
A so’gi dènìyàn
(Transforma a árvore numa pessoa)
Bí ó soro,
(Quando ele fica feroz)
A sènìyàn deranko.
(Transforma uma pessoa num animal.)



(Extraído do livro "Mitos Yorubás: O Outro Lado do Conhecimento" de José Beniste, com adaptações)

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